Movidos pela fé

Na Itália e Espanha, Lucas Hansen enfrenta diversos adversários. Ao mesmo tempo, transmite força para ajudar a vencer outra batalha junto à sua família

Por Aline Christina Brehmer 19/03/2019 - 11:51 hs
Foto: Paolo Salvador Fotografias

Lucas Wolter Hansen, um nome que já se tornou referência no mundo do esporte e, em específico, do tênis de mesa. Aos 18 anos, o mesa-tenista representa a Seleção Brasileira do Aberto Paralímpico de Lignano, na Itália. Logo após vai competir em Barcelona, na Espanha, onde fica até o dia 23 deste mês. É a primeira vez que o paratleta passa tanto tempo longe da família e viaja sem a companhia da mãe, Anita Wolter Hansen, que tem 57 anos.

Nesta semana ela conversou com a redação do Café Impresso e admitiu que, há apenas uma semana longe do caçula, a saudade já é grande. Mas, por outro lado, revelou que essa nova conquista do Lucas dá muita força para que toda a família enfrente um grave problema que surgiu recentemente.

Na sala de estar da residência da família Hansen, as fotos de família ocupam praticamente toda a estante. Ali estão Lucas, sua irmã Delis Wolter Hansen, de 25 anos, que é engenheira química, a mãe Anita e o pai, Kunibert Hansen Filho, de 59 anos. São imagens que retratam diversos momentos em família e transmitem, com facilidade, a mensagem de que a união entre os quatro é o principal pilar da casa.

Uma vida transformada pelo tênis de mesa

Quando fala dos filhos, os olhos de Anita brilham. Ela relembra que foi em 2007, quando Lucas começou a frequentar a escola, que foi descoberto que ele tinha Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).

“Nem de longe isso o tornou menos capaz, pelo contrário, é só ver onde ele chegou. O que é incrível no Lucas é a dedicação que ele tem com o esporte. Ele tem déficit de atenção, isso é fato, mas quando está ali, competindo, só existe aquele jogo e ele consegue focar 100% no que está fazendo. Por isso sempre digo que o esporte o ajudou a superar as dificuldades”, relata Anita.

Toda a família sempre apoiou Lucas. No começo, ainda criança, ele começou a jogar futebol, mas percebeu que não era esse o esporte ideal para sua prática. Foi então que, certo dia, um amigo de Lucas o convidou para participar de um treino de tênis de mesa – e desde lá Lucas nunca mais largou a raquete.

“Percebemos que esse esporte fez muito bem para ele. Uma das professoras dele que nos aconselhou a inscreve-lo nos Jogos Paralímpicos. Ficamos meio receosos no começo, mas hoje vejo que foi sem dúvida a melhor decisão que tivemos”, confidencia a torcedora número um do mesa-tenista.

Pentacampeão

Hoje, perto de completar seus 19 anos, Lucas já acumula o título de campeão do Tênis de Mesa Classe 11, além de se destacar como pentacampeão escolar. “Lucas vai ainda mais longe, representar e colocar nossa pequena Timbó, que é grande em história e neste ano completa 150 anos, em um nível internacional”, destaca o técnico na Associação Timboense de Tênis de Mesa, Alcidez Scoz.

O jovem integra o quadro de atletas da Fundação Municipal de Esportes (FME) de Timbó. Mas, há outras conquistas que ele comemora fora de campo, como a formatura no ensino médio, que aconteceu no final do ano passado. Além disso, Lucas também gosta de servir na Igreja, junto a outros adolescente e crianças, e participar dos momentos de louvor, cantando na Banda de Juventude.

Para Anita, os troféus e conquistas de Lucas são apenas uma consequência. O que realmente o motiva e faz feliz é estar jogando, independente do lugar ou contra quem.

“Como agora, que ele está longe, fica me mandando fotos, falando como estão as coisas na Itália. Claro que estou sempre perguntando. Às vezes, em outras ocasiões, perguntava se ele tinha ganho alguma medalha, mas ele nem sabia me responder. O que interessa para ele é o jogo mesmo, mas é claro que ganhar deixa ele muito feliz, é uma consequência né?”, comenta.

Um novo adversário

Apesar de ter se encontrado realmente como jogador de tênis de mesa, Lucas nunca deixou de lado o futebol, um esporte que ele exerce sempre que tem oportunidade, assim como o pedal.

Fazer a bola rolar em campo é algo que ele aprendeu com seu pai e durante esses dias, enquanto está há mais de 9 mil quilômetros longe de casa, é nele que Lucas pensa.

No fim do ano passado Kunibert descobriu que estava novamente com uma doença que já havia enfrentado em 2017. Hoje, com apoio da família, ele iniciou um novo tratamento para se recuperar. Já aposentado, Kunibert não cede aos momentos difíceis e vai trabalhar todos os dias como contador – uma profissão pela qual é apaixonado e que, ao mesmo tempo, mantém longe as preocupações e os problemas.

“Sempre gosto de acompanhar o Lucas nas competições, mas nesse momento é importante também minha presença aqui em casa. Sei que o meu menino está em boas mãos, mesmo tão longe. É incrível a facilidade que o Lucas possui de fazer amigos e se dar bem com as pessoas”, reflete Anita.

Ao mesmo tempo, durante esse momento difícil, a alegria que surge em casa muitas vezes vem do próprio Lucas que, se superando a cada dia, se mostra uma inspiração não apenas aos paratletas – mas para todas as pessoas.

“É engraçado que o Lu não consegue se concentrar direito quando estamos junto com ele. A cada jogada ele olha para ver onde estamos, então optamos por não aparecer ali na torcida, mas ele sabe que estamos aqui, torcendo por ele”, garante Anita.

Já agradeceu pela sua vida hoje?

Desde que Delis e Lucas chegaram na família Hansen, o principal sustento para enfrentar com otimismo todos os dias veio de um único sentimento: a fé, que se fortalece mais entre eles a cada minuto que passa.

“Na vida sempre há pontos negativos e positivos. Cabe a nós buscarmos esse equilíbrio, só que não é fácil e nem mesmo algo que a gente deva fazer sozinho. Nesse ponto percebemos quanta força os irmãos da igreja nos passam através de suas orações. Temos essa fé cultivada em nossos corações e a verdade é que, sem isso, a gente não consegue nada. Muitas vezes converso com Deus e questiono o porque de certas coisas. Sinto que Ele sempre me dá aquela força, motivação. Isso nos leva adiante”, confidencia Anita que, além de mãe e esposa, ainda concilia seus afazeres com outro emprego.

Hoje faltam exatos 11 dias para Lucas voltar da viagem. Tempo que passa voando para o mesa-tenista, mas parece demorar muito mais para a família. Ao retornar, vai dar continuidade à sua faculdade de Educação Física, que cursa à distância, e seus treinos regulares em Timbó.

“O Lucas é apenas um dos exemplos. As pessoas deveriam parar e olhar com mais carinho e atenção às competições com os paratletas. Vemos coisas inacreditáveis. Uma superação constante, uma vontade de vencer que supera a de tantas outras pessoas. Meu filho e minha filha nos orgulham demais. Agradeço a Deus pela família que tenho, pelo Lucas ser responsável e dedicado do jeito que é. Deveríamos agradecer mais e, independente das circunstâncias, ver que sempre há algo de bom na sua vida. Você já agradeceu pela sua vida hoje? Isso vai transformar seu dia”, aconselha Anita.