Dona Olívia: benzedeira por dom e vocação

Aos 82 anos, dona Olívia relata curiosidades e faz revelações sobre sua vida como benzedeira

Por Aline Christina Brehmer 14/06/2019 - 10:57 hs
Foto: Marcelo Dias/Jornal Café Impresso

Dor de cabeça, mal olhado, olho grande, inveja, sapinho, zipra, cobreiro... a lista é extensa. Dores e doenças que, para muitas pessoas, têm apenas uma cura: a oração de dona Olívia da Silva. Com 82 anos, são 50 que ela dedica à vida como benzedeira, um dom com o qual nasceu e que fez sua vida mudar por completo.

“Eu era uma pessoa muito doente e, quando entendi que esse era meu dom, vi que tinha uma chance de ajudar os outros. Auxiliando na cura de outras pessoas encontrei a minha também”, revela.

Dona Olívia perdeu a conta de quantas pessoas já ajudou em todas essas décadas, mas sabe dizer qual seria, atualmente, o problema mais frequente que as trazem até sua casa.

“Triste e inveja, com certeza. Gente de tudo quanto é lugar, até de Curitiba, já veio me procurar. Atendia, em média, 100 pessoas todos os dias. Chegava do meu trabalho e tinha vezes que ficava até às 22h atendendo”, relembra.

O dom da cura

Ainda que a pessoa que receba esse dom ao nascer, segundo Olívia, possa auxiliar em diversas causas, ela destaca que há problemas que só podem ser tratados pelos médicos.

“Algumas coisas dão para resolver sem precisar de remédio, mas há outros casos que são para médico mesmo. Vem pessoas com tudo quanto é problema e o que está ao meu alcance faço para ajudar, caso contrário não tem o que eu possa fazer. Doenças como câncer e tumores, não é tudo que, como benzedeira, tenho o poder de curar. O que posso fazer com minhas orações eu faço”, esclarece.

E por mencionar a palavra “poder”, há outro pedido que já foi muito solicitado a ela nesses anos: o responso. Para quem não é familiarizado com a expressão, em resumo, se trata de uma oração feita em busca de encontrar objetos perdidos.

“Até já fiz, mas é muito puxado, muito mesmo. Há orações que exigiram tanto de mim que foram necessários dois dias ou até mais para conseguir me recuperar psicológica e espiritualmente”, revela.

Mal x Bem

Mas como muitos sabem: onde há o bem, também existe o mal. Dona Olívia conta já ter sido procurada para desfazer as temidas “macumbas”, e quando questiono o nível de força que esse trabalho exige, sua resposta é direta e firme: “O mau tem força, mas Deus tem mais. O inimigo luta, mas Deus sempre protege”, afirma.

Ela admite que já houve pessoas que a olhavam de forma torta, com receio que ela fosse praticante desse tipo de “trabalho” obscuro.

“Já me acharam até com cara de macumbeira”, diz entre risos. Mas retomando um ar mais sério, garante que nunca fez nenhum trabalho que não fosse pelo bem das pessoas.

“O que não quero para mim ou minha família não faço, por isso nunca cobrei. Deus me deu um dom, uma graça, e o nome por si só já diz tudo. As pessoas que cobram para ajudar os outros, essas trabalham com macumba e coisas ruins. Não tem como uma pessoa fazer o bem e o mal ao mesmo tempo, o pensamento dela acaba sendo regido pela pior parte e o trabalho também. Há quem não entenda o porquê de passar por certas situações e perturbações, mas o fato é que você se contamina com esse mal”, responde.

Nilton Carlini, que é um amigo de Olívia presente durante a entrevista, complementa as colocações dela com uma comparação.

“Se você entra em local que tenha doença contagiosa não é preciso abraçar ninguém para ser contaminado, não é mesmo? Da mesma forma, tanto quem pratica o mal quanto a pessoa que pede por aquilo prejudicam a si mesmas”, destaca.

Entretanto, ambos reforçam que ainda há muitas pessoas que praticam o bem, fazendo sua parte e utilizando seu dom e graça para ajudar a quem precisa.

O poder da Fé

Outro ponto citado por dona Olívia em relação às pessoas que a procuram em busca de tratar seus problemas e dores é a necessidade de ter Fé.

“Faço a minha parte, oro pela pessoa e ajudo como posso, mas essa pessoa também precisa ter Fé e fazer a sua parte. Há quem me procure em busca de um milagre, mas não é assim que as coisas funcionam”, desabafa.

“Essas pessoas são as mesmas que vão à igreja pensando que irão receber ou ganhar algo, que pelo fato de elas estarem lá Deus tem a obrigação de dar algo a elas. Não cabe a ninguém ficar cobrando, muito menos de Deus. Se você procura por ajuda tem que ir com o coração aberto para receber sua bênção, em busca de receber esse auxílio, mas sem cobrar uma cura ou milagre”, reflete Carlini.

O luto de dona Olívia

Aos poucos, até mesmo por pedidos da família e de amigos, dona Olívia foi diminuindo o ritmo. Passou a atender somente terças de manhã e nas quintas à tarde – isso até o fim do ano passado.

Ela morava junto com a filha, que tinha 49 anos. Olívia não imaginava que alguns dias antes do Natal, após tomar um café da manhã (do qual lembra de cada detalhe), iria viver um dos dias mais difíceis de sua vida.

“A dor que minha filha tinha ela problema no coração. Naquele 15 de dezembro de 2018 ela acordou, tomou o café e, logo depois, partiu. Perdi minha filha na minha frente, uma dor que não tem palavras que descrevam. Tive nove filhos e hoje três deles ainda estão vivos. Quem mora comigo agora é um dos meus meninos, mas meu bisneto sempre está por aqui me fazendo companhia também. Isso sem contar os amigos, que são como uma família para mim”, agradece a benzedeira.

Diante de toda a situação difícil que passou e da dor que permanece em sua vida, Olívia conta que seu problema na garganta ficou ainda mais prejudicado, impedindo-a de manter seus atendimentos.

“Benzer alguém exige sacrifício por parte de quem faz a oração, mas muitas pessoas não sabem disso. Quando é um caso mais grave, principalmente envolvendo crianças, ainda abro algumas exceções, mas não atendo mais como antes porque não consigo”, esclarece.

Preparo espiritual

Carlini diz que ser benzedeira ou benzedeiro exige um alto nível de preparo espiritual, e que muitas pessoas não estão preparadas para lidar com isso.

“Sem ter auxílio na hora das orações, muitos são suportam a pressão. A dona Olívia possui o dom da cura e da oração, são raríssimas as pessoas que possuem a mesma força que ela. Quando você ora por alguém sente também uma carga, e isso pode de certa forma “derrubar” a pessoa que não tiver um preparo espiritual forte. Se trata de uma entrega mesmo, uma doação feita à outra pessoa sem esperar nada em troca”, complementa.

Tanto ele quanto Olívia comentam que há cada vez menos pessoas que nascem com o dom e, ainda assim, muitas delas não o usufruem.

“Os dons do Espírito Santo são tão ricos, mas é preciso saber usa-los. Ao tentar ajudar uma pessoa que tenha carga maligna, aquele mal pode acabar sempre repreendido em você”, alerta Carlini.

Diante de uma vida dedicada para ajudar os outros, é com sensação de dever cumprido que dona Olívia agradece pelo dom e pela oportunidade que recebeu.

“Deus me ajudou muito na saúde, sou eternamente grata a isso, assim como pode ter recebido a graça de ajudar o próximo. Nunca cobrei nada porque Deus também não cobrou. A gente precisa ter mais gratidão no coração, todos nós precisamos... isso muda a vida das pessoas”, aconselha.