Ensinar é uma arte

Rosali Zanatta e Márcia se formaram como professoras e estão há um passo da aposentadoria. Juntas, relembram suas trajetórias e acontecimentos que marcaram suas vidas

26/10/2017 - 16:01 hs

Não importa qual caminho você tenha escolhido seguir ou quais sejam seus planos, tudo passa por um processo em comum: a educação. Desde aprender a juntar letras e formar palavras até a fazer contas, o ensino faz parte da vida de todos e é o que faz diferença, desde pequeno, para se destacar e obter conquistas.

Fato que o ensino por si só não garante tudo, mas é o primeiro passo. Em homenagem ao Dia do Professor, comemorado no dia 15 de outubro, e às pessoas que possibilitam esse aprendizado e são fontes de conhecimento, a redação do Café Impresso traz uma matéria especial com duas professoras que têm muito em comum.

Rosali Zanatta e Marcia Eglaci de Souza têm 49 anos, lecionaram por mais de 30 anos, irão se aposentar no ano que vem e hoje trabalham na Escola de Educação Básica (EEB) Júlio Scheidemantel.

Mix de emoções

“É uma mistura de alegria e tristeza. Me sinto feliz pela conquista, afinal, foram anos trabalhados, é um direito que temos de nos aposentar. Mas, ao mesmo tempo, no fundo existe um sentimento que nos deixa tristes, afinal, a gente estabelece relações. Formamos uma família na escola também”, desabafa Rosali.

Há 19 anos no Júlio Scheidemantel, ela iniciou sua trajetória há mais de três décadas, com 17 anos de idade. Já lecionou artes, ciências e matemática para turmas do pré e ensinos fundamental e médio.

Durante nossa conversa, Rosali relembra momentos que foram marcantes em sua vida como professora. “Dei aula para muitas crianças carentes e trabalhei em muitas cidades também. Eram alunos que não tinham acesso ao conteúdo, então tudo que a gente levava em termos de pesquisa e laboratório era muito valorizado por eles”, relata.

“Educação é a base de tudo”

Rosali veio de uma família de professores e diz que esse sentimento, essa vontade de ensinar, já era algo que a acompanhava desde criança. Questionada sobre o que sente em relação à valorização do professor hoje, ela é enfática.

“É uma questão delicada. Se trata de uma falta de incentivo, mas é algo cultural. As pessoas precisam entender que a educação é a base de tudo. Ao professor tem que ser dada a oportunidade de melhorar como profissional e também como pessoa.

É através da educação que se chega a algum lugar. Na época em que meu avô lecionava, ser professor era sinônimo de respeito, status. Ele era um ícone. Hoje, infelizmente, é possível ver até banalização quando se fala na profissão”, argumenta.

Valorização

Márcia complementa a colocação da colega ressaltando que a questão salarial também afeta e diz que a distância dos pais com a escola é algo preocupante – e que precisa mudar.

“Tudo passa pelo professor. É importante valorizar o profissional sim, mas, mais ainda, participar ativamente da vida do filho em todos os anos e fases. Nós investimos tempo e dedicação para montar cada aula e proporcionar um aprendizado válido e ao mesmo tempo lúdico, que gere interesse e que o estudante consiga compreender”, garante.

Ainda nesta semana, em uma homenagem feita aos professores pelo seu dia, os alunos foram questionados sobre o que queriam ser quando crescessem. “Alguns disseram médico, outros queriam ser veterinários, dentistas. Mas ninguém falou ‘professor’. Porque será? É algo a ser pensado e trabalhado”, reflete Rosali.

“Faça por você”

Em seus 32 anos de docência, Rosali relembra dois acontecimentos que marcaram muito sua vida profissional e também pessoal. O primeiro deles foi com uma turma que tinha alunos dos três aos seis anos de idade.

“Havia uma menina que não falava nunca. Um dia chamei o pai, porque ela realmente parecia muda, não dizia uma só palavra. Ele me disse que ela era assim. Conversava em casa, mas não falava com estranhos ou em outros lugares.

Isso foi na sexta-feira. Na segunda, como de costume, pedi às crianças o que elas haviam feito no fim de semana e essa menina, a Clarice, me respondeu. Foi algo inesquecível, saber que ela estava falando comigo, que realmente confiava em mim e conseguiu superar essa barreira. Nunca vou esquecer”, diz.

Outro acontecimento foi quando Rosali já era casada e tinha filhos. Seu marido, que era bancário, recebia promoções e, com certa frequência, a família precisava mudar de cidade.

Em uma dessas mudanças, depois que comunicou aos alunos que precisava ir embora, as crianças e seus respectivos pais fizeram um protesto pedindo que ela ficasse.

“São histórias de valorização, que marcam a gente e nos fazem querer ajudar e fazer ainda mais. O sucesso depende exclusivamente de você. Não adianta ficar esperando que o governo mude as leis, que os alunos ou a família mudem.

Se você quer você consegue, e é por amor e dedicação que você vai conseguir. Não precisa de muito, tem que ser autêntico, verdadeiro, o aluno percebe isso. Não adianta cobrar uma coisa e fazer outra. Palavras ecoam, mas exemplos arrastam”, aconselha.

Amor pela alfabetização

Já na vida de Márcia, o acontecimento que realmente marcou foi a descoberta do amor pela alfabetização. Aos 17 anos de idade ela começou a lecionar e, mesmo não atuando como professora hoje (é assessora da diretoria), cada vez que entra em uma sala de aula se sente de volta em um novo mundo.

“Lembro que tinha medo de alfabetizar, não conseguir, não saber fazer. Na época em que resolvi assumir esse desafio, pedi auxílio à diretora da escola e à minha professora.

A ajuda foi muito válida. Uma delas me disse ‘descubra algo que seja do interesse deles e trabalhe em cima disso’. Bom, um dos alunos gostava da música Florentina e era fã do Tiririca, tinha até o mesmo corte de cabelo.

Então, pensei em utilizar essa música. Nós a destrinchamos e a partir dela realizamos inúmeras tarefas e isso gerou muito aprendizado. Foi ali que descobri meu amor pelo trabalho com projetos.

No fim eu só dava aula para a primeira série. De tudo que vi e vivi, o mais encantador foi acompanhar essas crianças e vê-las descobrindo a leitura. Isso marcou minha vida. Me divirto ensinando e gosto muito”, garante.

O que vem depois?

Hoje é o último dia em que Rosali dá aula, ela vai entrar de licença. Mas já faz planos para o futuro. “Sou voluntária na Rede Feminina de Combate ao Câncer (RFCC) de Timbó e pretendo me dedicar mais a isso.

Também passar mais tempo com minha família, tenho três filhos e um deles tem 13 anos. Penso em cuidar mais de mim. Mas já sinto saudade disso aqui. Vai ser muito diferente, a escola é parte da minha vida”, reflete.

Já Márcia ainda não sabe ao certo o que irá fazer quando se aposentar. Ela faz parte de uma igreja e, lá, também auxilia crianças. Sua aposentadoria chega em agosto do ano que vem, mas uma coisa é certa: os projetos não vão parar.

“Na vida somos retalhos, mas agregados a outras pessoas podemos construir uma linda colcha”