“Aqui estamos, 500 anos depois”, pastor Appelt

A comunidade luterana celebrou nesta semana os 500 anos da Reforma Protestante, que se mantém forte e influente ainda hoje

Por Aline Christina Brehmer 04/11/2017 - 10:20 hs

“Aqui estamos, 500 anos depois”, pastor Appelt
Dari Jair Appelt é pastor da Paróquia Evangélica de Confissão Luterana de Timbó.

O ano de 2017 foi histórico para os cristãos. Foi exatamente há 500 anos, no dia 31 de outubro de 1517, que Martim Luther iniciou o processo da Reforma da Igreja na Alemanha (também conhecida como Reforma Protestante).

Há centenas de anos, Lutero afixou nas portas da Igreja do Castelo de Wittenberg as 95 teses que escreveu, protestando contra as indulgências. Fundamentado na Sagrada Escritura, ele sugeriu mudanças na prática eclesial, questionando costumes até então instituídos pela igreja.

As indulgências eram cartas de perdão dos pecados, entendidas naquela época como uma cadeira no Céu. “O grande medo de Lutero e tantos outros na época era a morte. Naquele tempo, a igreja queria, de certa forma, preparar as pessoas para isso e pregava que Deus era juiz, severo e impiedoso com os pecadores.

Isso gerava nas pessoas muito sentimento de culpa. O que Lutero propôs com a Reforma foi um resgate da verdade bíblica, na qual a igreja assumisse que o perdão não tem preço, que Deus é misericordioso, que ama e perdoa, acolhe as pessoas no momento em que elas, humildemente, confessam sua culpa e pecado”, explica o pastor da Paróquia Evangélica de Confissão Luterana de Timbó, Dari Jair Appelt.

A Bíblia nas mãos do povo

Appelt diz que, na época, Lutero não teve respaldo da Igreja Católica. “Pelo contrário, as colocações de Lutero geraram incômodo aos líderes da igreja e do Estado, lembrando que os poderes político e religioso andavam de mãos dadas. Lutero foi chamado para se explicar e a proposta era de que revogasse seus escritos, recuando assim da sua posição – algo que ele alegou não poder fazer a não ser que alguém provasse, por meio da Palavra (Escritura Sagrada) que ele estava errado.

Lutero não podia ir contra sua consciência. Por isso ele foi excomungado e proscrito, mas caiu nas boas graças do Príncipe Frederico, da Saxônia, que o acolheu no Castelo de Wartburg”, complementa o pastor.

Foi nesse Castelo que Lutero ficou por algum tempo e, em um período de 11 semanas, traduziu o Novo Testamento do grego para o alemão. “Naquele tempo, apenas 10% da população sabia ler. Mas, com a tradução, a Bíblia chegou às mãos do povo numa linguagem bem acessível.

“Cada escolha nossa tem suas consequências, mas nenhuma opção deveria nos afastar de Deus. O afastamento de Deus se chama pecado. Deus abomina o pecado, mas Ele ama o pecador.”, pastor Dari Jair Appelt

Lutero e a educação popular

Esse foi o primeiro passo de Lutero. Já a data escolhida para realizar a Reforma foi pensada. O dia 31 de outubro foi escolhido justamente por anteceder o Dia de Todos os Santos e Dia de Finados (1 e 2 de novembro, respectivamente).

“Eram ocasiões nas quais haveria muita visitação à igreja e, assim, suas ideias seriam lidas e divulgadas”, destaca o pastor Appelt. Uma das principais causas defendidas por Lutero foi o incentivo e direito à educação, que ele considerava como o principal meio de mudar o mundo.

“Isso continua sendo afirmado até hoje. As 95 teses de Lutero, na verdade, ajudaram a Igreja a repensar sua missão e a resgatar a essência dela. É possível dizer que a educação popular surgiu naquele período, assim como toda a imprensa escrita – o que também foi essencial para a Reforma. A partir desse período, outros escritos, como o da Liberdade Cristã, começaram a ganhar força”, relata o pastor.

Cinco pilares essenciais

Há quatro pilares que sustentam as teses de Lutero (considerados por ele essenciais tanto para a igreja quanto para a salvação). São eles: a Escritura Sagrada, Graça de Deus, Jesus Cristo e Fé.

“E é sobre esses pilares que a igreja deveria edificar seus métodos. Essa justificação por Graça trouxe à tona uma discussão muito grande na igreja”, explica Appelt.

Mais 500 anos

O pastor diz que “agora são outros 500 anos e que a Igreja deve estar sempre em Reforma”. Ou seja, promover o Evangelho e fazer uso de sua voz profética para que haja um retorno a verdade bíblica. Appelt faz questão de evidenciar as contribuições de Lutero nas mais diversas áreas: saúde, política, música, ética.

Um dos questionamentos da Lutero há 500 anos era a forma equivocada de utilização do poder. “Lutero dizia que toda e qualquer autoridade só pode fazer o que combina com a vontade de Deus. O poder não é de mando ou comando, mas de serviço. Por isso, toda e qualquer autoridade deve estar à serviço do povo e não usufruindo de privilégios, se deixando corromper.

Hoje, a igreja continua a se perguntar como contextualizar a Palavra para que seus membros se perguntem o que precisa mudar e façam isso acontecer. O avanço é feito em conjunto, com base naquilo que combina com a vontade de Deus. A corrupção, por exemplo, é algo que está presente em todo o ser humano, mas só cresce à medida que as oportunidades surgem e, aos poucos, vai dominando a pessoa”, refle o pastor Appelt.

Porque no evangelho é revelada a justiça de Deus, uma justiça que do princípio ao fim é pela fé, como está escrito: "O justo viverá pela fé" (Romanos 1:17)

Fonte de inspiração

Appelt diz que, para ele, hoje algumas igrejas oriundas da Reforma são muito abertas ao ecumenismo. “O desafio está em fazer uma leitura popular e contextualizada da Bíblia. Os Dez Mandamentos continuam valendo e o mandamento do amor nos ajuda a compreender a vontade de Deus.

A Bíblia continua sendo importante, fonte de inspiração para que possamos descobrir como esse Deus age, o que Ele continua fazendo por nós. A relação com a Igreja Católica Romana mudou muito quando ela aceitou a doutrina da justificação por Graça e Fé.

Isso foi em 1999, em Augsburg, quando o Vaticano e a Federação Luterana Mundial enviaram representantes para a assinatura de um documento, no qual a Igreja reconhece que essa Reforma foi necessária e que de fato não é assim, não se pode comprar o perdão, salvação ou um pedaço do céu”, relembra o pastor.

Desafios do Cristianismo

Appelt revela que são muitos os desafios que o Cristianismo tem. “Penso que a Igreja, no momento atual, deveria ser mais profética, se unir às denúncias das injustiças, se manifestar em relação a ética, por exemplo. Continuar fazendo esse seu papel de apoio a educação, porque em outras áreas também Lutero teve propostas, como na política.

A verdade sempre foi para Lutero uma prioridade. Há também a valorização das mulheres. Catarina, esposa de Lutero, foi uma batalhadora junto dele. Sem ela talvez ele não teria suportado a pressão em determinados momentos. Ela foi muito sábia e sempre o apoiou nas horas mais difíceis. Assim houveram também outras mulheres que contribuíram com a Reforma.

Quando falamos em Reforma não podemos falar só de Lutero. Ele foi o protagonista, mas houveram tantas outras pessoas envolvidas”, destaca o pastor.

“É preciso ter esse sentimento de gratidão”

Appelt diz que hoje as pessoas pensam muito na questão do mérito. “Deus nos vai atender de uma ou outra forma por Graça, amor, não por obrigação. Quem sou eu, reles mortal, para negociar com Deus?”, questiona.

Ele frisa que hoje a Igreja precisa ser acolhedora, trabalhar a questão da inclusão, promover mais momentos de comunhão, oportunizar mudanças para que todas as categorias se sintam bem integradas.

“Não adianta vender perdão ou negociar o quer que seja, como se Deus tivesse um compromisso, uma obrigação com a gente, e não nós com Ele. É preciso ter esse sentimento de gratidão e a palavra de Deus quer instalar isso no coração das pessoas”, aconselha.

“Serão condenados em eternidade, juntamente com seus mestres, aqueles que se julgam seguros de sua salvação através de carta de indulgência” (32ª tese de Martinho Lutero)

Diaconia

Para Appelt, quando falamos de desafios falamos de Diaconia, que é um serviço feito com e por amor. “É uma ação, iniciativa que eu presto ao outro, sem me perguntar se aquela pessoa merece ou vai me retribuir. Ajudar para que a outra pessoa possa ter sua condição mudada, superando seu problema, dificuldade, reassumir sua vida, recuperar sua dignidade.

Não compete a nós julgar. Nossa missão é acolher, aconselhar a pessoa para que ela perceba a verdade, tenha consciência que sua escolha terá consequências. Hoje as igrejas andam lado a lado, de mãos datds em muitos momentos, no reconhecimento mútuo de suas falhas na história. E é assim que devem avançar, propondo mudanças essenciais para a fé, vida, sociedade”, finaliza o pastor.