“A morte esteve abraçada comigo várias vezes” Shoila Busarello

Há cerca de um ano Shoila descobriu que estava com câncer, mas o caminho até iniciar o tratamento foi árduo e doloroso

Por Aline Brehmer 16/04/2018 - 08:53 hs
Foto: Rafael David/Jornal Café Impresso
“A morte esteve abraçada comigo várias vezes” Shoila Busarello
Um dos projetos de Shoila é criar uma Casa de Apoio voltada a todos que estejam enfrentando o câncer

Quando chego à casa de Shoila, a recepção é feita por seu marido, Luiz, e pelo gato caçula da família, o pequeno Oliver. Mas não demora muito para que a anfitriã apareça, e a primeira impressão que ela passa está longe de ser frágil, muito pelo contrário, seu aspecto transmite força e ao mesmo tempo simpatia – fatos que ficam comprovados durante nossa conversa.

A voz ainda é rouca, mas o olhar de Shoila Busarello Giovanella é de esperança. Aos 34 anos, ela enfrenta uma batalha contra o câncer, que teve início em 2014 e transformou sua vida por completo.

Mas logo de início o que pergunto a ela não tem relação direta com a doença, afinal, há também um lado artesã, caracterizado pela criatividade e delicadeza, que não poderia ser deixado de lado.

Suas criações ficam posicionadas pelo ambiente, perto das inúmeras fotos que há ali. Isso porque Luiz Fernando Giovanella, que tem 38 anos, é fotógrafo, com um olhar detalhista e aguçado.

“O artesanato me distrai, é algo que faço desde criança. Sempre preferi bordar toalhas, mas também faço bolsas, almofadas e outros materiais, me faz bem”, diz. O sucesso dos produtos da Criart By Shoila é tanto que no último fim de semana ela realizou um bazar em sua casa, e teve resultados muito positivos.

Quando conheço melhor a casa, vejo que tudo aquilo que não foi vendido ou está à caminho de ser finalizado pode ser encontrado no ateliê da artista, ou como ela chama, o ‘quarto da bagunça’, aquele local da casa que é preferido para muitas pessoas – como o casal Giovanella.

“O primeiro sintoma foi a coceira”

O tom de voz de Shoila não se altera quando ela menciona, no decorrer da conversa, o câncer. A palavra, que sempre lhe deu medo e receio, hoje se tornou algo presente em sua vida, uma situação com a qual aprende a lidar diariamente, mesmo convivendo com isso há quatro anos.

“Foi um longo caminho até descobrirmos o que eu tinha. Passei por vários médicos e hospitais. Foram três anos e meio atrás de uma resposta, chegou a ser exaustivo, mas nunca desisti, porque tinha certeza que algo estava errado, algo que os médicos deixaram passar”, relembra.

E quando lhe pergunto de que forma tudo começou, a resposta surpreende: com uma coceira. Para Shoila, o primeiro sintoma do câncer é algo que a incomoda até hoje, mas em menor intensidade.

“A coceira começou primeiro na dobra de um braço, passou para o outro e aos poucos começou a aparecer em todas as dobras do corpo. Quando chegou na parte íntima, procurei um ginecologista”, comenta.

Anos em busca de uma resposta

O tempo foi passando, Shoila consultou diversos médicos do sistema público e também particular, foi ao Pronto Socorro (PS), tomou todos os remédios receitados, comprou e passou as pomadas indicadas, fez regressão, esgotou todas as possibilidades, mas a coceira não parava e se tornava cada vez mais forte.

“Eu acordava de manhã e tinha sangue na cama, de tanto que me coçava. E não era somente na pele, mas dentro do ouvido, garganta, por tudo mesmo. Até hoje tenho marcas por causa disso”, diz.

Os primeiros indícios do câncer surgiram em fevereiro de 2014, mas foi somente no ano passado que a doença foi descoberta e o tratamento certo teve início.

“As pessoas questionam como pode demorar tanto, mas não fazem ideia da quantidade de exames que fiz, mas mesmo assim os testes de sangue, urina e fezes não apresentavam alterações.

Muitos médicos trataram como alergia ou, ainda, me encaminharam ao psicólogo, falando que poderia ser depressão. E todos os remédios que me receitavam eu tomava, sem falhar, mas não dava resultado”, alega Shoila.

A descoberta do câncer

Foi em janeiro de 2017 que outro sinal da doença se manifestou: a voz de Shoila começou a ficar rouca, o que pode ser percebido em sua fala no dia em que a entrevistei. Esse foi o auge da doença, que, como ela mesma diz, por pouco não lhe tirou a vida.

“Eu tinha muito cansaço, falta de ar. Os médicos no início me disseram que era bronquite, depois infecção no pulmão. Mais uma vez segui o tratamento, a tosse era seca e constante, os xaropes não ajudavam”, relembra.

Foi então que ela encontrou um médico, para o qual contou a história (a qual já havia perdido a conta de quantas vezes relatou). “Foi esse profissional que puxou minha ficha e achou estranho. Então ele pediu mais um raio-x e uma tomografia. Foi assim que descobri que tinha câncer no pulmão”, diz.

Foi então feita uma drenagem no pulmão de Shoila (a primeira de muitas). “Eu estava morrendo afogada e não sabia”, desabafa.

Início do tratamento

Os primeiros passos rumo ao tratamento aconteceram em Curitiba, no Paraná. Ela e Luiz viajavam para lá, onde ficavam por cerca de uma semana, e depois voltavam para Timbó.

Após receber a confirmação que seu tumor (que já havia atingido o pulmão, peito e pescoço) era Linfoma Hodgkin, Shoila finalmente pode dar início ao tratamento de quimioterapia, que faz até hoje.

“Cheguei a ficar internada por 17 dias. Depois de um tempo, transferi meu tratamento de volta para cá (Santa Catarina) e hoje realizo ele em Blumenau. Os últimos exames que fiz apontam que o câncer está diminuindo, assim como minha coceira, que hoje em dia já é algo normal”, diz com alívio.

Apesar das dores que sente quando toma as injeções da quimioterapia, Shoila encara a vida com otimismo, fé e com o amor e carinho que recebe de seu marido todos os dias.

 Na saúde e na doença

Depois de tudo o que passou, Shoila perdeu mais de 20 quilos. Devido ao tratamento, muitas vezes se encontra debilitada e necessita de repouso, até mesmo para evitar sangramentos.

Toda a entrevista foi acompanhada de perto pelo marido Luiz, que completava suas frases quando necessário, além de demonstrar domínio sobre cada fase da doença que enfrentou junto à esposa.

“Se eu não tivesse o companheiro que tenho, não estaria bem como estou agora. Ele faz tudo, me dá banho, faz curativo, vira enfermeiro, cuida da casa, traz o jantar na cama, lava, seca e guarda a roupa. Eu tenho consciência que 99% das pessoas não têm esse apoio, sou muito agradecida”, declara.

Luiz também destaca que todas as orações e mensagens recebidas até hoje são de fundamental importância e fazem a diferença. “Sou realista, sei que a morte esteve abraçada comigo. Encontrei em meio a essa situação o auxílio e amor de pessoas que nem conhecia, outras das quais não esperava. E hoje, o que mais quero é poder ajudar também, oferecer o conforto que quem passa por momentos assim precisa”, garante Shoila.

Casa de Apoio – um sonho de Shoila

Um dos projetos de Shoila para depois que estiver 100% curada é criar uma Casa de Apoio voltada a todos que estejam enfrentando o câncer, seja ele qual for.

“Quando você descobre a doença fica perdido, em busca de respostas e ajuda. E essa é a proposta, ajudar no processo de aceitação da doença, que é difícil, e principalmente na recuperação. A parte mais difícil da quimioterapia é da metade do tratamento em diante, que é o estágio no qual estou agora. Da mesma forma que procurei por esse apoio, outras pessoas já vieram até mim também em busca de respostas e sei da importância que elas têm”, desabafa.

Na hora de se despedir, o casal Busarello está acompanhando de Oliver (que ficou conosco durante toda a entrevista) e também de Julie, Lolla, Cindy e o pequeno Gringo. Entre risadas e brincadeiras, Shoila encerra a conversa repassando qual foi a principal lição em meio a isso tudo.

“Respirar é algo que você faz automaticamente, é o básico, e eu não conseguia, hoje agradeço todos os dias a Deus por acordar, estar respirando, não sentir coceira, por suportar a dor. Meu maior objetivo é a saúde e cada dia de vida é uma vitória”, reflete.