“A violência também se aprende”, Sílvia Dallagnolo

Profissionais da educação, Cras e Conselho Tutelar alertam para a influência da família na vida de crianças e jovens

Por Aline Christina Brehmer 31/08/2018 - 11:24 hs
Foto: Internet/Divulgação

O que torna uma criança ou jovem violentos? Quais aspectos de sua vida influenciam na formação de personalidade e caráter? Qual é o principal fator responsável por reações extremas? Essas e demais perguntas serão respondidas a seguir por alguns dos profissionais que atuam direta ou indiretamente na área, realizando ações de prevenção e mediação em situações de risco que envolvem crianças e também adolescentes.

“Acredito que a origem de determinadas atitudes e ações esteja diretamente ligada ao âmbito familiar. Questões de ordem social como vulnerabilidade, crianças pouco assistidas pelas famílias ou algumas que não têm seus pais presentes no processo educacional e também de crescimento. O que vejo é que não foram as crianças que mudaram, mas sim os pais de hoje em dia”, avalia o secretário de Educação de Timbó, Alfroh Postai.

Para ele, todos os fatores listados – dentre muitos outros – podem culminar em problemas psicológicos. Além disso, Postai faz uma crítica quanto às leis e aos deveres. “Vejo que ficamos um pouco sem ação na escola por conta da legislação não nos favorecer em determinados casos. Não acho que a criança deva ser reprimida o tempo todo, mas é preciso impor limites. Hoje vemos que a família, em determinas situações, ficou um pouco ‘aleijada’ em relação a como educar os filhos, afinal, a educação tem que vir de casa, as instituições de ensino têm como missão escolarizar as crianças e os jovens”, destaca o secretário.

Para ele, o trabalho da Semed é em busca de resgatar a família para dentro do convívio escolar de seu filho, sendo mais ativa e participativa nesse processo. “O Artigo 205 é bem claro ao dizer que é dever do Estado e da família a educação dos filhos, por isso a família deve vir para mais perto da escola, participar e conhecer o que seus filhos aprendem e realizam”, defende Postai.

Em seu ponto de vista, atitudes simples como essa alcançam grandes resultados. “As crianças se sentem lisonjeadas ao terem os pais em sala de aula. É preciso estar presente, vivenciando esse momento junto delas. Felizmente, estamos vendo que a grande maioria dos pais está também entendendo que esse é o caminho para educar. As crianças precisam passar por esse processo com mais propriedade, se desenvolvendo melhor”, argumenta.

Postai destaca também que a rede municipal de ensino da cidade oferta mais horas no ensino infantil do que prevê a legislação. “A legislação é clara nesse sentido: são quatro horas de creche, sete se o ente federativo tiver condições de oferecer. Nós ofertamos dois períodos de sete horas, já nos jardins esse período é de quatro horas”, reforça o secretário.

Dentre suas colocações, Postai diz que o planejamento para se ter filhos é imprescindível e, devido a vários fatores, esse planejamento se torna ainda mais complicado.

“Existem estudos de Santa Catarina prevendo que para 2030 o número de crianças vai diminuir consideravelmente. De acordo com a situação social e econômica que o país vive, isso realmente pode acontecer e é preciso que seja levado em consideração. Depois que a criança nasce é preciso cria-la, educa-la, oferecer atenção, carinho e amor. Diferente disso, que jovens e adultos estarão sendo criados?”, questiona

“O que fazer com o que fizeram de mim?”

Para Sílvia Fernanda Brandt Dallagnolo, que é coordenadora do Centro de Referência de Assistência Social (Cras), a família de fato é quem oferece todo o suporte de segurança emocional e física na vida das crianças desde o primeiro momento.

“A questão da violência, se não for trabalhada desde cedo, é algo que passa de uma geração para outra. A forma como a criança convive em sociedade é reflexo das relações construídas em família”, analisa.

Para Sílvia, da mesma forma que as crianças aprendem a contar, ler, brincar e andar, a violência também é algo que se aprende. “Existem diversos modos de se relacionar que podem acabar gerando violência, não somente física, mas psicológica também. Hoje existem diversos modelos funcionais de família que dão certo, mas ao mesmo tempo há os modelos disfuncionais e para resolver esse problema é difícil pensar em uma ação pontual. É algo a ser trabalhado coletivamente, os modos de se relacionar que precisam ser revistos”, esclarece a coordenadora.

Ela frisa que a atuação do Cras, que atende a famílias de quatro bairros da cidade, é focada na prevenção de situações de risco. “Nosso papel não é de controle ou monitoramento, mas de suporte mesmo, tanto que o atendimento aqui é espontâneo”, complementa.

A partir do momento em que uma situação mais grave é identificada, a mesma é encaminhada ao Creas, como casos que envolvam violência e maus tratos. “Aqui no Cras procuramos realizar atividades coletivas, buscando também de forma individual auxiliar as famílias a resolverem e mediarem seus problemas de outra forma que não envolva agressão, mas sim afetividade, diálogo. Não há um programa específico, mas sim serviços contínuos que buscam fortalecer os laços familiares”, analisa Sílvia.

Ela comenta ainda que, no que diz respeito à questão da violência, há vários fatores determinantes. “A pobreza em si, por exemplo, não é um fator decisivo. Por ser um fator em potencial, mas junto a outros aspectos ambientais e culturais, além de problemas como abuso de drogas e álcool”, exemplifica.

Para a coordenadora, cada família possui seus valores e culturas, mas, a partir do momento em que uma criança está inserida naquele meio, é preciso que haja tempo para estar junto dela – cada minuto faz toda a diferença na sua formação como um todo.

“É preciso que haja qualidade nesse tempo que os pais passam juntos de seus filhos, compartilhando experiências, buscando saber como foi o dia dele. Hoje presenciamos muitas situações de baixa tolerância e frustração, é a cultura do prazer imediato. Mas e quando não consigo o que eu quero, como lido com isso? Como resolver os problemas? E os modelos que aprendemos na vida vamos reproduzindo, por isso, se não parar para pensar e avaliar agora o convívio familiar e problemas que existem, um modo de se relacionar que possa estar gerando violência, isso tudo vira uma bola de neve e o problema nunca chega ao fim. A pergunta é: o que fazer daquilo que fizeram de mim?”, indaga.

Segundo ela, morar em um ambiente violento não define que a criança seja de fato violenta, mas potencializa esse risco. “Vão anos até conseguir romper determinados laços e aprendizados que foram repassados. Não se trata de achar culpados, mas sim de entender que é uma relação disfuncional e que pode produzir violência e precisa mudar”, alerta Sílvia.

Em busca da melhor solução

“A fonte de tudo é o convívio, mas as pessoas nem sempre se dão conta que futuramente seus filhos podem ser psicológica e emocionalmente afetados pelo o que vivenciaram e a forma como foram criados, muitas vezes envolvidos direta ou indiretamente em situações de violência. Caso essa criança ou esse jovem não receba tratamento, não vai encontrar outra forma de reagir a isso e a insegurança pode acompanha-lo por toda a vida. Existem casos nos quais estamos atendendo já a terceira geração de uma determinada família, no qual os netos ou até bisnetos começam também a serem trazidos para cá por estarem envolvidos em situações nas quais o Conselho terá que atuar”.

As palavras são das conselheiras tutelares Ivoni Bonanomi Correia e Ellaine Vieira da Silva Mengarda. No Conselho Tutelar de Timbó há ainda outros três conselheiros que formam o Colegiado: Maria Ivacir Moser, Aline Maus e João Dorizeti Calegari.

“Aqui somos uma equipe e nos reunimos na hora de tomar decisões em casos mais graves, que envolvam violência e/ou agressão, por exemplo. Nossas reuniões ocorrem todas as semanas, sempre às quartas-feiras, para falar sobre os atendimentos que realizamos e compartilharmos informações, em busca da melhor alternativa de tratamento para ser oferecida à determinada pessoa e/ou família”, esclarece Ivoni, que é também presidente do Conselho.

Para Ellaine os rompantes de violência acontecem, geralmente, no local onde a criança mais passa tempo – que, em muitos casos, não é sua casa. “Nós vemos famílias disfuncionais e hoje estamos muito mais remediando as situações do que prevenindo. Muita coisa precisa ser reavaliada”, analisa.

Segundo Ivoni, em muitos casos os próprios conselheiros se sentem frustrados diante de determinadas situações. “A gente se empenha, faz o trabalho da melhor forma possível, sempre com base no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), investe tempo, encaminha e, quando vê, a família voltou à estaca zero novamente”, desabafa.

Ellaine diz que um grave problema que há hoje é a falta de imposição dos limites, principalmente aos jovens. “Os limites existem para impor uma ordem, até mesmo para que haja um bom convívio entre todos. Hoje presenciamos um número grande de adolescentes deixando as escolas, mas em muitos casos os pais até mesmo apoiam decisões assim”, comenta.

“Há até mesmo pais que tiram a autoridade dos professores na frente dos próprios filhos. Como lidar com isso? O Conselho Tutelar é um órgão encaminhador e atua uma vez que esteja sendo violado o direito e uma criança ou de um adolescente. Hoje, a maioria dos casos envolvendo violência também envolvem uma família desestruturada, que não participa da vida dos filhos, não tira um tempo para sentar e conversar com eles, tudo isso reflete na pessoa que aquela criança irá se tornar”, alerta a conselheira Ivoni.

Para as conselheiras, a participação da família é fundamental nesse processo, tornando o trabalho e ações mais eficazes, o que gera melhores resultados para toda a família.

“Existe uma rede de atendimento que engloba toda a família, sempre buscando a melhor solução e desfecho para cada situação. Essa parceria envolve as secretarias de Educação e Saúde, o Creas, Cras e também as polícias Civil e Militar. É um trabalho de formiguinha, mas que precisa ser feito para proporcionar à essas crianças um futuro tranquilo, feliz e promissor”, finaliza Ellaine.