Genoíno: Forças Armadas devem desculpas ao país
Para ex-presidente do PT, militares respaldaram os eventos de 8/1
Assessor especial
do Ministério da Defesa durante o governo Dilma, o ex-deputado federal José
Genoíno acredita que os atos de 8 de janeiro de 2022 ainda exigem reflexões e
ações.
Ex-presidente do
Partido dos Trabalhadores (PT) e uma das referências da sigla para assuntos
militares, Genoíno considera que não é possível separar a instituição Forças
Armadas da atuação dos militares envolvidos diretamente nos atos. Na visão
dele, a instituição respaldou aquele movimento iniciado com a vitória de Lula
em 30 de outubro.
Genoíno foi
guerrilheiro durante a ditadura militar e, após a redemocratização, participou
da fundação do PT, partido pelo qual foi eleito e reeleito sucessivas vezes
como deputado federal. Ele renunciou ao cargo há 10 anos, em meio a denúncias
de corrupção, às quais ele nega e teve condenação penal prescrita há quatro
anos.
Em entrevista
à Agência Brasil, o petista avalia a política na área de defesa e acredita
que é preciso punir não apenas aqueles militares que depredaram os prédios em
Brasília, mas principalmente quem articulou o movimento que formou acampamentos
em frente aos quartéis em todo o país.
Confira abaixo a
entrevista:
Agência Brasil: Qual
foi o papel das Forças Armadas, institucionalmente, e de militares,
individualmente, para os eventos que acabaram no 8 de janeiro?
Genoíno: As Forças
Armadas se comprometeram de maneira transparente, de maneira profunda, com a
crise política que começou com a preparação do golpe [impeachment de Dilma
Rousseff], a eleição do inominável Bolsonaro e os acontecimentos que marcaram
os quatro anos do governo Bolsonaro.
As manifestações de
7 de setembro em 2021 e 2022, os pronunciamentos de autoridades militares, eles
respaldaram aquele tipo de governo, aquele tipo de política, a destruição do
país, a vergonha internacional do Brasil, a política em relação à Covid, a política
em relação aos movimentos sociais, a política em relação ao Congresso, eles
foram uma força de respaldo.
Portanto, não há
como separar o 8 de janeiro do que aconteceu nos acampamentos, nos
pronunciamentos, no questionamento das urnas eletrônicas e toda aquela
articulação, porque houve uma tentativa forte de ruptura democrática, de
ruptura constitucional, e que tinha respaldo das Forças Armadas.
Uma parte estava a
fim de fazer aventura, outra parte temia não ter condições para segurar o
resultado de um golpe e uma outra parte ficou omissa. Portanto, eu acho que a
instituição Forças Armadas deve um pedido de desculpa ao país.
Agência Brasil: Não
é possível separar os militares que participaram dos atos da instituição Forças
Armadas?
Genoíno: É mais ou
menos como foi a experiência da transição democrática de 1979 a 1985. ‘Quem
feriu os direitos humanos eram indivíduos, a instituição não’. Isso não dá para
separar. Se a instituição não faz uma colocação política, não pune quem fez,
quem teve na linha de frente, se a instituição não faz uma avaliação porque
seus membros tiveram envolvidos numa verdadeira tragédia nacional, elas dão, ou
por omissão ou por conivência, respaldo a esse tipo de ruptura.
Portanto, eu acho
que havia dentro das Forças Armadas uma visão autoritária e messiânica de
transformar o governo do Bolsonaro numa ascensão das Forças Armadas ao poder
político. Isso é bem claro a partir da maneira como ocupavam os cargos, da
maneira como influenciavam nas decisões de governo e porque nunca se
manifestaram minimamente contrariados com isso.
Agência Brasil:
Qual avaliação o senhor faz das medidas em resposta ao envolvimento de
militares e das Forças Armadas com o movimento?
Genoíno: Os
[generais] quatro estrelas das Três Forças que questionaram urnas eletrônicas,
que manifestaram não respeitar o resultado da soberania popular através do
voto, que criaram restrições para a soberania popular expressa na eleição do
Lula, esses quatro estrelas não deviam ocupar cargo de chefia no comando das
três Forças Armadas.
As Forças Armadas
não estão preparadas para a defesa nacional. Elas não cuidaram, durante esse
período, do que é essencial para a defesa nacional: desenvolvimento
tecnológico, a integração sul-americana e a inserção do Brasil no mundo. As
Forças Armadas foram imbuídas e influenciadas pela ideia do marxismo cultural
pregado pela extrema-direita, contra o politicamente correto, contra a
esquerda, contra os movimentos por emancipação. Enfim, adotaram uma postura que
resgata a visão de tutela.
Agência Brasil: Qual
avaliação o senhor faz da manutenção do GSI sobre controle do Exército e da
transferência da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para Casa Civil?
Genoíno: Eu
acho que o GSI tinha que ser extinto. O problema é que essa visão de congregar
todo o sistema de inteligência num único órgão é uma visão autoritária e
ultrapassada.
Essa ideia de ter
um sistema de inteligência congregado num órgão, Gabinete de Segurança
Institucional, chefiado por um quatro-estrelas, eu acho que aquela visão antiga
de que a inteligência e a informação é assunto estratégico sob o controle
militar. Eu discordo desta configuração política e orgânica do Gabinete de
Segurança Institucional.
Agência Brasil: O
que deveria ser feito para que o 8 de janeiro não volte a ocorrer?
Genoíno: Acho
que os partidos que dão sustentação ao governo, os partidos do Congresso
Nacional e os órgãos de investigação do governo deveriam atuar para evitar
qualquer blindagem. Como sempre aconteceu na história do Brasil, vamos
investigar para que ninguém seja culpado. Foi essa a marca da transição de 1979
para 1985.
Eu acho que o
relatório da CPMI do 8 de janeiro é um bom relatório e deveria ser base para
investigar. Nós não podemos ter investigação e prisão apenas dos magrinhos, do
andar de baixo, daqueles que estavam na aventura militarista de 8 de janeiro. E
quem articulou? Quem financiou? E os acampamentos? Aqueles acampamentos foram
naturais? Não foram, isso é a história de carochinha.
Portanto, eu acho
que a questão que tá colocada é aquela palavra de ordem da posse do Lula no dia
1º de janeiro: sem anistia. Eu acho que o Brasil tem que passar limpo esse
período dramático da sua história.
O passado não
passa, ele tem que ser avaliado, ele tem que ser discutido de maneira
democrática. E essa questão não pode ser apenas uma atitude da polícia e da
justiça, tem que ser também uma manifestação da população nas praças públicas.
Por isso que eu
acho muito importante o 8 de janeiro ser lembrado não só no Congresso Nacional,
mas ser lembrado na Cinelândia, na Paulista e em várias praças públicas do
país.
Agência Brasil: Em
relação às punições e sindicâncias que as Forças Armadas abriram contra
militares que participaram de acampamentos ou do 8 de janeiro, qual sua
avaliação?
Genoíno: Elas são
punições simbólicas, são uma espécie de faz de conta. Eu acho que as Forças
Armadas, não digo todas elas, mas principalmente alguns dos seus integrantes
que tiveram papel destacado no 8 de janeiro continuam preservados.
E eu acho que esse
vai ser um dilema para o Supremo Tribunal Federal. Na medida em que o STF está
punindo aqueles que depredaram os palácios, vai ficar só nesses aí? Ou vai
também atingir quem, segundo o ministro Alexandre Moraes, tinha pretensões de
matá-lo, tinha pretensões de prendê-lo?
Por outro lado, não
foi só o 8 de janeiro. E o 12 de dezembro? Aqueles atos de vandalismo em
Brasília para destruir a sede da Polícia Federal. E os acampados que
continuaram acampados? Isso tem que ser investigado, tem que ser relatado, tem
que ser discutido.
Portanto, eu acho
que o STF tem adotado posições positivas, por isso que eles são criticados pelo
setor mais truculento da direita, mas não pode ficar só nos magrinhos. É
necessário que haja uma investigação ampla para que o país conheça a extensão,
a dimensão e quais as punições que devem se processar.
Agência Brasil:
Quais oportunidades de mudanças o 8 de janeiro abre para o Brasil?
Genoíno: Eu acho
que a questão democrática está dentro da agenda de transformação do país. A
questão democrática envolve mudar a relação entre os poderes, mudar a relação
dos poderes com a sociedade, estabelecer normas mais firmes e transparentes,
principalmente para a gente preservar o princípio da soberania popular, o
princípio universal dos direitos e garantias e o respeito às regras do jogo
democrático.
Eu acho que o Brasil não pode ser o país de intervalos democráticos. Nem a questão democrática pode ser uma espécie, como dizia Sérgio Buarque, um engano. Nós temos que, da Constituição de 1988 para agora, tem um período longo de Constituição, mas o desarranjo institucional continua existindo e nós temos que tratar essa questão com reformas políticas institucionais para que a democracia seja algo concreto não só do ponto de vista político, mas principalmente para melhorar a qualidade de vida do povo brasileiro.
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